Deus fala-nos... também pela homilia
«A Liturgia é o âmbito privilegiado onde Deus nos fala no momento presente da nossa vida: fala hoje ao seu povo, que escuta e responde» (Verbum Domini, 52). Deus fala-nos pela Palavra proclamada, pelos sinais sacramentais e também pela homilia, que é parte integrante da Liturgia: «A homilia tem também um significado sacramental: Cristo está presente, tanto na assembleia reunida para escutar a sua Palavra como na pregação do ministro, através do qual o próprio Cristo, que outrora falou na sinagoga de Nazaré, ensina agora o seu Povo» (Diretório Homilético [DH] 4). «A missão do homileta é ajudar os fiéis a ler as Escrituras à luz do mistério pascal, de modo que Cristo lhes possa revelar o seu próprio Coração» (DH18).
A homilia não há-de ser um sermão sobre um tema abstrato ou totalmente desligado da celebração litúrgica e das suas leituras e ainda, na pior das hipóteses, para violentar os textos previstos pela Igreja, torcendo-os para os adaptar a uma ideia preconcebida (DH6). Também não é um mero exercício de exegese bíblica, nem é a ocasião favorável para oferecer uma pormenorizada exegese bíblica. Mesmo que o povo de Deus tenha um grande desejo de aprofundar as Escrituras, os pastores devem prever ocasiões e iniciativas apropriadas que permitam aos fiéis aprofundar o conhecimento da Palavra de Deus. «O mais importante é o facto de o homileta ser chamado a fazer descobrir como a Palavra de Deus se está a cumprir aqui e agora» (DH6). A homilia também não é um ensinamento catequético, embora a catequese seja uma dimensão importante, pois não é ocasião para «um discurso não integrado verdadeiramente na própria celebração litúrgica» (DH6). «Por fim, a homilia não deve servir de ocasião para o pregador dar um testemunho pessoal. É verdade que as pessoas podem ser profundamente tocadas por histórias pessoais, mas a homilia deve exprimir a fé da Igreja e não propriamente a história pessoal do homileta» (DH6). Isto não significa que «na pregação não haja lugar para temas fundamentais, para a exegese bíblica, para o ensinamento doutrinal e o testemunho pessoal; não há dúvida que, numa boa homilia, podem tornar-se elementos eficazes. É muito apropriado que um homileta saiba conjugar os textos de uma celebração com factos e questões de atualidade, partilhar os frutos do estudo para compreender um trecho da Escritura e mostrar o nexo que existe entre a Palavra de Deus e a doutrina da Igreja. […] O homileta deve também falar de modo que quem o escuta possa ver a fé dele no poder de Deus. É verdade que não deve reduzir o modelo da mensagem ao nível do próprio testemunho pessoal, com receio de ser acusado de não praticar o que prega. Como não se prega a si mesmo, mas a Cristo, pode, sem hipocrisia, indicar as metas da santidade, à qual, como todos, também ele aspira na sua peregrinação de fé» (DH7).
Na Instrução Geral do Missal Romano (65) diz-se que: A homilia faz parte integrante da Liturgia e é muito recomendada: é um elemento necessário para alimentar a vida cristã. Deve ser a explanação de algum aspeto das leituras da Sagrada Escritura ou de algum texto do Ordinário ou do Próprio da Missa do dia, tendo sempre em conta o mistério que se celebra, bem como as necessidades particulares dos ouvintes.
A homilia parte da liturgia da Palavra para, no decorrer do ano litúrgico, a partir do texto sagrado, expor o mistério da fé e as normas da vida cristã. Ela, «quer explique a palavra da Sagrada Escritura acabada de ler, quer outro texto litúrgico, deve levar a comunidade dos fiéis a celebrar ativamente a Eucaristia, para que “sejam fiéis na vida ao que receberam pela fé”» (DH9).
A homilia há-de ter as seguintes características: 1 - É proclamação do mistério pascal de Cristo, pois nela a interpretação das leituras e das orações há-de ser iluminada pela morte e ressurreição do Senhor. Pode expor ensinamentos doutrinais ou morais sugeridos pelos textos. 2 - Ela estabelece uma ponte entre a liturgia da Palavra, na qual está inserida, e a liturgia Eucarística, que se lhe seguirá, dispondo a comunidade para a celebração eucarística. 3 - Sugere aos membros da comunidade, transformados pela Eucaristia, como podem levar o Evangelho ao mundo através da vida quotidiana.
Sobre a natureza do homileta, diz-se que, para se tomar eficaz, não é necessário ser um grande orador. Ainda assim, «a arte oratória ou de falar em público, inclusive o uso apropriado da voz e mesmo do gesto, contribui para a eficácia da homilia». «O essencial é que o homileta ponha a Palavra de Deus no centro da sua vida espiritual, conheça bem o seu povo, reflita sobre os acontecimentos do seu tempo, procure constantemente desenvolver as capacidades que o ajudem a pregar de forma apropriada e, sobretudo, consciente da própria pobreza espiritual, invoque na fé o Espírito Santo como principal artífice no tornar dócil aos divinos mistérios o coração dos fiéis».
O homileta há-de preparar a pregação dedicando-lhe um tempo longo de estudo, oração, reflexão e criatividade pastoral. Para isso, os pregadores devem estabelecer um profundo diálogo com a Palavra de Deus, recorrendo à lectio divina, que é feita de leitura, meditação, oração e contemplação. Podendo neste processo valer-se de comentários bíblicos, o homileta deverá traduzir o seu estudo numa linguagem compreensível aos seus ouvintes (incluindo as crianças e as pessoas menos cultas). Poderá valer-se na homilia de imagens e exemplos da vida quotidiana: «as imagens ajudam a apreciar e acolher a mensagem que se quer transmitir. Uma imagem fascinante faz com que se sinta a mensagem como algo familiar, próximo, possível, relacionado com a própria vida. Uma imagem apropriada pode levar a saborear a mensagem que se quer transmitir, desperta um desejo e motiva a vontade na direção do Evangelho» (DH31). As vidas dos santos são imagens que ilustram bem as virtudes enfatizadas pela Escritura.
Ainda que na Missa só deva haver uma homilia, o papel do pregador não se reduz à homilia em si mesma: As invocações do rito penitencial (quando se usa a terceira forma) e as intercessões na Oração Universal podem fazer referência às leituras bíblicas ou a um aspeto da homilia. As Antífonas de Entrada e da Comunhão, indicadas no Missal Romano para cada celebração, geralmente retomam os textos bíblicos ou inspiram-se claramente neles, dando assim voz à nossa oração com as próprias palavras da Escritura. No caso de não se usarem essas antífonas, os cânticos que as substituem devem ser cuidadosamente escolhidos, devendo o sacerdote orientar os encarregados da animação do canto. Existe uma outra forma de o sacerdote poder realçar a unidade da celebração litúrgica: através de um cuidadoso aproveitamento das oportunidades oferecidas pela Instrução Geral do Missal Romano de fazer breves admonições em alguns momentos da liturgia, como depois da saudação inicial, antes da liturgia da Palavra, antes da Oração Eucarística e antes da despedida.
drafted by: João Miguel Pereira
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