Os Lusíadas - Luís Vaz de Camões - 1572
E não menos co’ tempo se parece
o desejo de ouvir-te o que contares;
Que quem há que por fama não conhece
as obras Portuguesas singulares?
(Canto II, 111)
Por constar há várias décadas no plano nacional de ensino da Língua Portuguesa, Os Lusíadas é uma obra da qual toda a gente lê e estuda excertos mas raramente se encontra alguém que a tenha lido do início ao fim. A proposta de leitura desta quinzena procura colmatar essa lacuna.
O texto de Os Lusíadas, escrito por Luís Vaz de Camões (c.1524 – 1580), é composto por dez cantos, tendo cada um, em média, 110 estrofes. Cada estrofe engloba oito versos decassilábicos estruturados com uma rima AB AB AB CC. Esta estrutura confere à obra um ritmo que permite uma riqueza temática de leitura extraordinariamente fácil. De facto, ao respeitar o ritmo próprio do texto, o leitor quase que canta e, sem se dar conta, vai desenrolando as páginas, entranhando-se no enredo como um dos personagens.
Em Os Lusíadas, Camões relata a navegação da Armada Portuguesa, comandada por Vasco da Gama (1469 – 1524), na descoberta do caminho marítimo para a Índia.
Tão brandamente os ventos os levavam
Como quem o Céu tinha por amigo;
Sereno o ar e os tempos se mostravam,
Sem nuvens, sem receio de perigo.
O promontório Prasso já passavam
Na costa de Etiópia, nome antigo,
Quando o mar, descobrindo, lhe mostrava
Novas ilhas, que em torno cerca e lava.Vasco da Gama, o forte Capitão,
Que a tamanhas empresas se oferece,
De soberbo e de altivo coração,
A quem Fortuna sempre favorece,
Pêra se aqui deter não vê razão,
Que inabitada a terra lhe parece.
Por diante passar determinava,
Mas não lhe sucedeu como cuidava.
(Canto I, 43-44)
Durante a narração, o leitor é interpelado pelos eventos mais marcantes da história de Portugal, enquanto narrada por Vasco da Gama ao chefes dos povos com que se cruzam os marinheiros portugueses; bem como pela mitologia greco-romana comum ao clássicos da literatura épica como a Ilíada ou a Eneida.
Nas temáticas abordadas, inclui-se também a religião, constante nos confrontos culturais com os povos das terras não cristãs (principalmente as dos seguidores de Maomé). Efectivamente, Os Lusíadas chegou a passar pela revisão doutrinal do Santo Ofício, que deu o seu parecer:
Vi, por mandato da santa e geral inquisição, estes dez cantos d’Os Lusíadas de Luís de Camões, dos valerosos feitos em armas que os Portugueses fizeram na Ásia e na Europa, e não achei neles coisa alguma escandalosa nem contrária à fé e bons costumes. Somente me pareceu que era necessário advertir os leitores de que o autor, para encarecer a dificuldade da navegação e entrada dos Portugueses na Índia, usa de uma ficção dos deuses dos gentios. (...) Todavia, como isto é poesia e fingimento e o autor, como poeta, não pretende mais que ornar o estilo poético; não tivemos por inconveniente ir esta fábula dos deuses na obra, conhecendo-a por tal e ficando sempre salva a verdade de nossa santa fé (...). E por isso me pareceu o livro digno de se imprimir.
- Frei Bartolomeu Ferreira, Inquisidor-mor de Portugal, 1572.
Encontra-se ainda no contexto religioso um elogio de Camões ao espírito missionário português e aos vários mártires da fé cristã:
Vós, Portugueses, poucos quanto fortes,
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que, à custa de vossas várias mortes,
A lei da vida eterna dilatais:
Assi do Céu deitadas são as sortes
Que vós, por muito poucos que sejais,
Muito façais na santa Cristandade.
Que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade!
(Canto VII, 3)
A magnanimidade com que foi escrito Os Lusíadas reverte, a favor dos portugueses, um louvor intemporal ímpar na história da humanidade. Com esta obra, a língua portuguesa marca presença no Olímpo das Obras Épicas. E, assim, não pode chamar-se honestamente português quem não tiver lido Os Lusíadas do princípio ao fim.
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